quinta-feira, 24 de julho de 2025

 Brilhe, July

 (Este texto foi feito quando a july tinha 4 anos )

Havia muita água. Estava escuro.
Mas ela vivia bem. Alimentava-se, sentia tudo o que se passava ao seu redor.
Desejava a luz, ansiava por ela — mas ainda era cedo.
Precisava esperar. E esperou...
Num cantinho quente, sem frio, protegida pelo ventre do amor.

Ela queria sorrir, chorar,
Sentir o toque de seus pais.
Queria muito a luz.

Passaram-se cinco, seis, sete, oito meses...
E então, ela já não queria mais a escuridão.
Estava pronta para viver no nosso mundo.

No silêncio do ventre, ela clamou por luz —
E Deus lhe concedeu a luz.
E sua mãe, com amor, lhe deu à luz.

Nasceu July.

Era domingo.
Um dia de meia-luz, com um singelo frescor na face da manhã.
Nasceu cercada por anjos, rodeada por arcanjos.
Um choro sutil que se confundia com um sorriso.
Ela viu a luz — e chamou-a para perto de si.

O dia não tinha sol,
Mas a sua presença iluminava o quarto como um farol
Guiando navios perdidos no mar.

Ao chegar em casa, seu irmão Jeff achou que ela estava com fome.
Levou meia dúzia de bananas — uma doçura de gesto.
Mas ela, sabiamente, preferiu o peito.
Mamou com vontade — mamou por um ano e seis meses.
Como quem queria mamar também da vida.

Cresceu como uma flor na primavera,
Como um sorriso puro impregnado no rosto.
Aprendeu a escrever, a ler, a desenhar.
Desenhava roupas, personagens...
Como quem passeia pela Lagoa da Saudade ou pelos jardins da praia.

Com uma caneta colorida, desenhava os caminhos que quer trilhar.
Caminhos preparados por Deus.
E nela, a vida segue sendo desenhada — com fé, com graça e com cor.

Engatinhou, falou, chorou.
Sorriu, viu, sentiu.
Ouviu os sons da vida:
As vozes, as músicas, os hinos, os instrumentos.
O som da bateria, do cello, do violino...
E, acima de tudo, ouviu a Palavra de Deus.
E quando necessário, sabe ouvir o silêncio —
Aquele em que Deus fala mais alto.

Brilhe, July.
Não deixe que coloquem limites em você.
Não se veja como coitada — você é amada, é abençoada.

Viva a linda vida que Deus te deu.
Não aceite os falsos.
Fuja dos inimigos.
Fique com a Palavra gravada na alma.
Lute pela vida. Seja feliz.

Brilhe!

Não se apague como vela que alguém sopra...
Mas que, com o sopro do Criador,
Sua chama se acenda ainda mais —
E leve luz onde ainda houver escuridão.

Você nasceu para brilhar.
Então siga seu caminho.
E brilhe!
Ilumine como um farol.
Tenha muitos amigos.
Seja feliz.

Aprender

 Aprender a respirar

como quem, pela primeira vez, sente o mundo entrar.
Aprender a mamar,
a confiar que o corpo de outro é abrigo.

Aprender a chorar —
não por dor apenas, mas porque tudo é demais.
Aprender a engatinhar:
a terra tem chão, e o chão tem vontade.

Depois, ficar de pé —
a coragem mora nos joelhos trêmulos.
Aprender a andar,
a ir além do tapete,
e a correr como quem foge do tempo.

Aprender a escovar os dentes,
como se a boca já soubesse que precisa sorrir.
A tomar banho,
e descobrir que a água limpa até as vontades.

Pentear os cabelos
é desenhar vento com as mãos.
Arrumar o quarto
é inventar um mundo onde tudo tem lugar.

Aprender a andar de bicicleta:
cair e levantar com vento no rosto.
Aprender a escrever,
desenhar o invisível com linhas.

Ler —
descobrir que há mais vida do que a que cabe no corpo.
Aprender a comprar,
e entender que nem tudo tem preço.

Quem me beijou

Quem me beijou
no escuro do meu silencio
no intimo da minha alma
deitada na rede do meu tormento
úmido, úmido deixou meus lábios que regou meu coração
úmido de paixão
encharcado de amor.
Quem me beijou
que deixou minha cabeça doendo
meu nervos tensos
e minha roupas molhadas.

Quem me beijou num pensamento distante
me levando ao céu do mundo dos sonhos inimagináveis
onde se beijam os amantes eternos.
Romeu e Julieta, Otelo e Desdemona.

Quem me beijou
senti lábios quentes encostando
em minha boca de lábios escuros
um beijo de carinho, de afeto.

Quem me beijou no meu silencio sem vida.
quem me beijou?
foi tu boca bandida.

Fé de mais.

 Crer em Deus — parece um grito,

Um chamado quase infinito.
Todos dizem: "Sim, eu creio!"
Mas nem sempre é por anseio.

Acho que não creio em nada,
Mas em tudo dou entrada:
Tudo o que me foi contado,
Tudo o que tenho lido, escutado.

Há quem viva a fé com alma,
Mergulhado em tanta calma.
Seja umbanda, seja o altar,
Ou nas estrelas a rezar.

Parece que nasceram prontos
Para os ritos, para os contos.
Se isso traz paz ao coração,
Que seja feita a devoção.

Confesso, nasce em mim vontade,
Um tipo estranho de saudade.
Não de algo que perdi,
Mas do que nunca vivi.

Não me encaixo em crença exata,
Minha dúvida é que me mata.
Creio em Deus, creio no bem,
Mas religião... já não vai tão bem.

Sou ateu meio incerto,
Um crente meio por perto.
Creio no Filho que morreu,
No que voltou, no que nasceu.

Creio no Filho que há de vir,
Mesmo sem saber aonde ir.
No fundo, a fé que me visita
É chama viva... ainda que aflita.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Pra que o canto ressoe

 Canta-se uma canção tão triste,

Que no peito ainda persiste,

Insiste em não se calar,
Mesmo sem licença, quer brotar.

Canta-se a dor que se fez,
Pra que jamais se esqueça de vez,
Que ainda se vive sem voz,
Num silêncio que pesa feroz.

Chora-se um pranto prateado,
Que escorre num fio calado,
Pelo ouvido entupido e doente,
De um coração descontente.

Os cantos dos quartos encantam,
E os sonhos aos poucos se espantam,
Na beira da voz que floresce,
Do jardim onde tudo adormece.

O canto arranca a dor dos cantos,
E planta com voz novos mantos.
Desencanta a solidão sem fim,
Pra que o canto ressoe, enfim.

a Cruz e o Surfista

 


A Cruz e o Surfista

Quando terminou o culto de Páscoa, marcado por um coral emocionado e uma encenação da crucificação, todos comentavam sobre o "Jesus" escolhido: um rapaz branco, de barba ruiva e uma tatuagem de tartaruga na perna direita. Ele havia sido crucificado em cena com grande comoção.

No dia seguinte, o zelador Creovaldo — homem dedicado, meticuloso e conhecido por sua devoção ao templo — estava inquieto. A preocupação não era com os figurinos, nem com os bancos desalinhados, mas com a peça central da encenação: a cruz.

— E agora, onde vamos guardar essa cruz? — perguntava, coçando a cabeça com o pano de limpar os bancos.

A cruz media dois metros de altura, pesava cerca de treze quilos, toda feita de madeira bruta, cortada e pregada com esforço por mais de duas semanas. Não cabia no armário do teatro. As salas estavam fora de cogitação: durante a semana funcionava ali uma escolinha para crianças, das 9h às 17h.

— Ela precisa sair daqui até segunda-feira — reforçou o já angustiado e sempre zeloso Creovaldo.

No domingo pela manhã, os responsáveis pelo teatro da igreja se reuniram. A irmã Creotilde ficou de lavar e guardar as roupas. A irmã Creonilde, com sua habitual franqueza, ficou responsável pelas sandálias — algumas já com cheiro de chulé.

— Vou passar creolina e deixar no sol — anunciou com praticidade.

Mas então chegou-se ao ponto mais delicado da pauta: a cruz.

Durante a confecção, a irmã Creuane havia se ferido com pregos — na mão e no pé. Teve reação alérgica ao cheiro forte da madeira e passou dias espirrando. Aquela não era uma cruz qualquer. Tinha sangue deles. Tinha suor. Tinha história. Jogá-la fora era impensável.

Foi então que o irmão Crenilson, morador a três quadras da igreja, teve uma iluminação.

— Irmãos, creio que tive uma ideia divina: e se eu guardar a cruz na minha garagem?

Todos assentiram, aliviados.

Crenilson foi buscá-la. Estava encostada no muro dos fundos, já meio esquecida sob o sol. Ele a pegou como quem segura um recém-nascido — com todo cuidado e reverência. Colocou-a sobre o ombro esquerdo e iniciou sua via-crúcis particular pelas ruas da cidade.

Era um domingo ensolarado em Santos. Gente indo ao mar a pé, famílias de chinelo, crianças com baldes coloridos. Crenilson suava como pano de cuzcuz, mas seguia firme.

Em dado momento, na mesma calçada, surgiu um surfista de bermuda florida e prancha na mão esquerda. Caminhavam lado a lado, cruz e prancha, fé e mar.

Crenilson olhou para o rapaz e sorriu:

— Bela prancha. Bom surfe pra você.

O surfista respondeu, sem hesitar:

— Bela cruz. Boa crucificação pra você.

Escrever é existir.

 Escrever é existir no fundo do universo.                                                                                                       É estar presente no fundo do oceano mais profundo.

É deixar que, das letras, como de uma nascente,
jorre água para o lago.

É despir-se do ser que sou:
um poeta ilógico, denso, quase sombrio,
quase, quase cristão,
quase lúcido,
quase um crente no poeta que penso que sou.

Escrever é vomitar letras, vírgulas, pontos,
vogais, consoantes desconsoladas,
palavras gritantes,
rituais insinuantes e sonhos sonhados.

Escrever é uma forma de dizer o que não quero,
de falar sem pensar,
de pensar sem escrever,
ver, crer, ser — sem forma.

Tornar-se uma poesia.
Desfazer-se em alegria.

Descrever o que sinto e vejo,
rever o desejo
e ser o que descrevo:
poesia.

Ver o invisível
e tocá-lo.